Há 10 anos um sujeito chamado Chris Anderson, na época editor-chefe da Wired — uma revista originalmente impressa considerada a Bíblia da ciência e inovação — publicava um artigo dizendo que a web tinha morrido. Sim, web de www (world wide web), espaço digital onde habitam sites, páginas e documentos acessíveis através de navegadores como Chrome, FireFox, Safari, Explorer/Edge etc.
Anderson já era um autor de ensaios memoráveis por conta do “Cauda Longa” de 2004 — que depois se tornou livro de mesmo nome. Foi a primeira vez que o mundo olhou de forma mais atenta para o modelo digital que viabilizava economicamente a venda de muitos itens variados em pequenas quantidades. Por isso, quando “The Web is dead. Long live the internet” surge o público observa com atenção a tese de que web sites, páginas e afins não teriam grande futuro.
A lógica era simples: com o surgimento dos celulares como conhecemos hoje, tracionado inicialmente pelo iPhone, nossos hábitos mudariam drasticamente. Com isso, a web (que em 2010 completava 20 anos) — antes dela a internet tinha poucos recursos gráficos — daria espaço a aplicativos e suas experiências proprietárias e especializadas nos smartphones.
Tudo isso fazia sentido, como comprovado pelo gráfico abaixo, que já apontava a evolução negativa da proporção da web em relação a outros ambientes digitais de 1990 até 2010, data do artigo de Anderson.
Mas a ascensão e força dos aplicativos iria numa direção ainda mais violenta do que o artigo delineava. Chegaria bem mais longe do que o autor imaginara. Eles extrapolariam os limites dos smartphones e dominariam qualquer dispositivo capaz de estar online. Não necessariamente na forma de aplicativos, mas disfarçados de soluções, de aplicações, de caminhos.
O primeiro passo nessa virada foi dado exatamente quando deixamos de depender de cabos e passamos a estar conectados 100% do tempo (sem comentar o salto na velocidade das conexões). E, se estamos dormindo ou desligados, a internet das coisas — onde smartwatches, aspiradores de pó, assistentes de voz, câmeras, balanças e até carros, entre outros, se falam — continua funcionando. Pense num aparelho esdrúxulo. Sim, ele possivelmente já está ou estará online em breve.
Então, basta imergir um pouco nessa nova dinâmica cotidiana digital para esquecer uma realidade que há pouco tempo nos fazia atrelar a internet quase que obrigatoriamente a uma tela, uma mesa e uma cadeira.
Adeus. Isso passou.
E o que dizer da subversão de aparelhos antes tão bem comportados? Será que eles “viraram internet”?
O que são essas TVs que não passam mais programas de TV? E pensar que você não senta mais na frente delas dizendo que vai conectar à internet — soaria ridículo. Você vai se divertir com séries, filmes, desenhos etc.
Em nenhum momento deve passar pela nossa cabeça que o que importa não é a internet em si, não naquela antiga forma dela. Mas para o fato de que dependemos exclusivamente de uma tecnologia chamada TCP/IP — a coluna cervical da internet — para que o seu leitor de livros eletrônicos, o seu serviço de músicas ou simplesmente o seu banco continuem funcionando de qualquer canto.
As parcas barreiras, que desde o início da vida online foram muito além de qualquer limitação física, se foram. Você não tipifica mais onde a internet está ou não está. Talvez você só lembre que ela existe verdadeiramente quando a sua conexão cai.
E, por esses aspectos e alguns outros que tomariam algum tempo nosso dissertando, é possível dizer que a internet, como conhecíamos, acabou. Ou será que já não é tão simples delimitar onde ela termina e onde ela acaba?
Se você até agora não se despediu da internet como a conheceu, talvez seja a hora de dar adeus. Porque ela realmente se foi.
Sem lamentações: aquela velha internet aproveitou bastante sua revolucionária vida. Mas, daqui para frente, será cada vez mais inidentificável — para o nosso bem.
Fonte: https://exame.com/blog/bruno-parodi/a-internet-acabou/
Crédito imagem: (Kathrin Ziegler/Getty Images)